"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Reflexo

Brindou alegre à morte do seu Sonho.
O seu encantamento foi medonho
quando viu de relance a prória imagem.

O Sonho do Homem é o mesmo Homem -
Tal a finalidade dos espelhos.

Paráfrase de Álvaro de Campos

Sou um fraco.
Sempre serei um fraco.
Nunca pude ser senão fraco.
Com artigos indefinidos.
Apesar dessa fragilidade
Reconheço em mim todas as potencialidades
de uma engrenagem esquecida.

Canção das águas

Hoje o céu tempestuoso
cobre a luz que me ilumina
ontem depois ainda ontem
relembrá-lo é minha sina

Passado passado passa
de mãos dadas, nostalgia
Lembra a noite sem estrelas
lembra o homem e a agonia

Passsa o tempo à beira d'água
pelas pedras causticantes
o rio não tem segredos
e corre menos do que antes

Peixes de poço, de ponte
maresias fluviais
plantas de prumo, de plumas
plantas e peixes e cais

O céu e o rio e as estrelas
adormecem ao luar
o céu sonha, o rio sonha
sonham sonhos de alto-mar

A amante transitória

Eu amo a que de mim anda esquecida
e devaneia ao luar.
Pois se de mim não fui senão outra vida
doente a caminhar.

Amei-a pelo sonho de mim mesmo
pertencer noutro ideal.
E quanto mais a amei, amando-a a esmo
nunca a amei, afinal.

A labuta e o gesto

O destino me veio e eu mesmo o faço
transbordar de calamidades cheio -
e por bebê-lo, o meu orgulho alteio -
qual tempestade a esbravejar no espaço.

A labuta é inútil, e o cansaço
acompanha a labuta de permeio.
De nada vale semear com o braço
se a tormenta destrói o que semeio.

Mas o gesto é a hora - a hora cega -
Que me guia numa ânsia de refrega
E assassina a esperança de quem planta;

Destino excelso, vã experiência.
A labuta do gesto é a demência,
O cansaço da hora me suplanta.

Araxá, dezembro de 2008.

O manto de esmeraldas

Eu te quero demais para magoar-te.
Tu és a minha Paz,
Tu és a minha Arte.

Teu gesto é Deus que o faz,
Meu sonho em ti faz parte.
Amar-te... mais e mais.
Amar-te sem aparte.

Venha-te a mim, meu sonho tão perdido,
Venha-te a mim, minha alma enfim encontrada.
És o meu ser... o meu ser mais querido,
és o meu plenilúnio e a minha alvorada.

A te esperar, volvendo a cada instante,
Do teu amor sou o mais puro amante...
Da tua forma eu bebo com muita ânsia.
Mesmo que seja a milhas de distância.

Se toda vez que tu me olhaste assim
meu sofrimento visse o teu olhar,
saberia que toda dor tem fim
e todo homem um dia vai amar.

Não importa que o amor consigo traga
a ilusão fortuita, o Paraíso;
sem o amor da mulher a vida é vaga
e vago agora estou sem teu sorriso.

Não te imagino como a santa pura
adormecida num altar de luz:
imagino-te como a criatura
que invariavelmente me seduz.

Dentre tantas mulheres, se quiseres
caminhar sobre um manto de esmeraldas,
serás a única entre todos seres
a inspirar fervor nas minhas laudas!

Fico aqui, a aguardar os dias belos.
A dor que possuí me justifica.
Os sonhos de quem ama são sinceros,
A lembrança de um beijo sempre fica.

Araxá, dezembro de 2008.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O mendigo

Na cidade perdida dos humanos
encerrada em antigos altiplanos
os homens são escravos e senhores.
Um mendigo, em farrapos, bate às portas
de pessoas ausentes semi-mortas
enterradas nos próprios dissabores.

Tem a veste rasgada e o olhar tranquilo.
Desavisado aquele que ao medi-lo
pensa encontrar-se diante de um coitado...
Possui o orgulho pétreo do Escolhido
que ao vencer a batalha, embevecido,
blasfema aos deuses que o haviam honrado!

E a sua derrocada foi tremenda:
roubou do altar sagrado a oferenda
destinada à piedade do Divino;
Não tardou a vingança pela espada
arrancar-lhe a sobrevivência honrada
com a mão horripilante de um assassino.

Aqui está ele, um andrajoso verme
com a consciência congelada, inerme,
escondido em seu próprio entardecer.
E como o ocaso vai caindo lento
procura refugiar-se no excremento
que materializa o vir-a-ser...
(...)
Aniquilado e entregue, sente fome...
Um mendigo sonâmbulo e sem nome,
incapaz de medir a própria sorte;
Levanta o olhar cansado - e agoniza...
Tomba ao chão amaldiçoando a brisa
que antecede a sanguinária Morte!

O infeliz suplica compaixão.
Mas cumprir-se-á terrível maldição
até que a carne infame esteja morta;
E enquanto a massa informe se espedaça
A Morte apara o sangue em fina taça
do rio essencial chamado aorta!
(...)
O Espírito, liberto e desvairado,
corre a esconder-se no distante prado,
habitáculo de almas inclementes;
Toda vez que anoitece o firmamento
ecoa na floresta o seu lamento
a entristecer e matizar poentes...

O corpo, desmembrado e insepulto,
profana a terra fértil como um insulto
à memória materna, sacrossanta;
e a desafiar leis naturais
reúne esforços sobrenaturais
e num estralar de ossos se levanta!

Ei-lo aqui - vencedor da Iniludível -
contorce a boca num esgar horrível,
qual o possesso frente a uma igreja;
os olhos, carcomidos mas sedentos,
buscam ao redor humanos movimentos
para arrojar à terra benfazeja.
(postar-se-á o restante nalgum dia propício)
Janeiro de 2007.

A carne e o mármore

Esta forma inautêntica de carne
que Deus me revestiu
por sua própria vontade se fez mármore
e a si mesmo esculpiu.

Já cansada de sangue a circulhar-lhe
resolveu virar pedra.
Num espelho inda olhou seu belho talhe
de onde a dor sempre medra;

E imaginou-se além da humana vista -
essa ilusão atroz, não mais que engodo -
e começou a abster-se da Conquista,
pois a Conquista não possui um rosto.

Tentaram deformá-la um dia ainda
dizendo-lhe elogios coloridos.
Mas a Forma possui razão infinda
e talha essa razão nos próprios vincos.

Por ela a Morte apaixonou-se
e agora a não pode largar.
Consigo trouxe do mais doce
desejo lúbrico de amar.

Mas esse desejo talvez seja uma ária
cantada na noite em que a noite é sozinha;
talvez seja a luz que a si mesmo compara,
espelho fechado por muita neblina.

Carne-mármore
cristalina.
Forma frágil
sem saliva.

Araxá, dezembro de 2008.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Realização pessoal

Sou como os outros mas não sou ninguém.
Minha alma é tresloucada e nada tem.
De resto luto contra os pesadelos
E a vontade de não deixar de tê-los.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Momento de nirvana

"_ Bem vinda à minha casa. - eu te agradeço
pela boa intenção com que vieste.
Descalce as botas. Tens o meu apreço.
É-me agradável este teu ar celeste."

Saudei-te assim, e, dessa forma, entraste
Na alcova deste que da vida é farto.
Eras tão bela que um fatal contraste
fez-se presente entre a tua luz e o quarto.

Amamo-nos. Teu corpo era a seara
onde meu corpo nunca descansara.
O sol chegou com lances de ouro puro.

Ah! Naquele momento de nirvana
tu me fizeste amar a forma humana
do teu corpo entalhado com apuro...

Araxá, em 2008

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terça-feira, 28 de outubro de 2008

A exatidão do mundo antigo

Cada vez que me observo interiormente
através dos espelhos da retina,
sinto-me como um ser que já não sente,
e por pouco sentir, só se imagina.

Toda estrela tem brilho diferente,
toda mentira ainda é cristalina.
Lembro-me de quem fui, e, vagamente,
sei que minha alma é uma hórrida assassina.

Já fui, por certo, o sonho de meu pai -
equlibrista sóbrio que não cai -
e minha mãe me aconchegou no inverno;

Mas a vida traiu-me, silenciosa,
e um silêncio vil de qualquer coisa
me fez calar neste silêncio eterno.

Araxá, em 2008.

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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Soneto improvisado em um guardanapo escuro

Nesta semana em que ninguém trabalha
(pelo menos aqueles que conheço)
cortarei o meu corpo com a navalha
pr'a ver se dessa forma eu desfaleço.

Busquei o teu carinho, o teu apreço,
e tu me deste o pano da mortalha
com que me visto agora, e reconheço
minha existência totalmente falha.

Já podem preparar a campa escura!...
Nada desejo além da sepultura,
nada observo senão um sumidouro;

E quando eu estiver com os braços frios
talvez os meus ignóbeis desvarios
possam tornar-se os meus castelos de ouro!

Araxá, em 2008.

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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Pela surpresa que me fizeste

Agora que possuo o teu segredo -
Esse brilho no olhar que te estertora -
poderei me livrar deste degredo
que outro amor me condenara outrora.

O teu segredo eu o possuo agora -
esse lábio que a mim se abriu a medo -
como um lírio do campo que bem cedo
se encontra aberto pela luz da aurora...

Venhas! Meus lábios querem o teu beijo
e o meu desejo busca o teu desejo...
Não há virtude se não houver pecado...

Agora sei que a Sorte por mim vela
e atende por um nome: Graziela...
Um anjo que merece ser amado.

Araxá, em 2008.

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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A uns olhos negros

Meus sonhos são estátuas deformadas,
criações imperfeitas de um artesão
que tem por ferramenta duas espadas:
uma em sua palma, outra no coração.

Das estátuas se ignora a imperfeição,
pois com vestes celestes adornadas
possuem o encanto estático das fadas
dormindo sob a auréola da Ilusão.

Um dia elas serão por mim despidas,
e o álacre das chagas, das feridas,
mudar-lhes-á o aspecto embevecido;

Mas a ternura dos teus negros olhos
esconderá os pútridos escolhos
que a outros olhos têm sobrevivido.

Araxá, em 2008.

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sábado, 20 de setembro de 2008

Mártir dos escombros

A todo homem que sofre agora canto
pois tenho em mim a Humanidade inteira,
e quando um sofre, também sofro, enquanto
a mim não chega a hora derradeira.

Filhos legítimos do desencanto,
sou o afago-reflexo em vossas vistas,
clarão da Idéia, insensatez do pranto,
reflexos de diamantes e ametistas.

Se brilha o Sol e a luz da Lua brilha
minha alma é uma mendiga, é uma andarilha,
que procura esmolar luzes mais fortes.

Carrego em mim, ah!, mártir dos escombros,
a Tristeza do mundo sobre os ombros
e um cemitério com um milhão de mortes!
Araxá, em 2008.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O barco e seu destino

O barco desconhece o seu destino
mas o cumpre no mar.
Meu destino o cumpri desde menino
e o não pude mudar.

Como quem se distrai e não enxerga bem
a chegada das trevas,
não me pude encontrar nos suspiros do Além
de outras Eras primevas.

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Suicida-embrião

O suicida-embrião
estuda, lentamente, e premedita
como ausentar-se deste mundo vão
e anestesiar a consciência aflita.

Melhor morrer com honra
do que viver sem ela.

Indagação aos Militares Fúnebres

Qual será a punição para o soldado
que desiste da guerra?

O espantalho

Minhas ânsias, minhas febres,
minhas esperanças breves,
dêem-me a força redentora.

Sou um espantalho triste
que paralisado assiste
ao assalto na lavoura...

O imbecil

Onde os santos protetores?!...
Neste festival de horrores
tudo acaba, nada dura.
O Sonho nasce e perece
como em seu âmago houvesse
patologias sem cura!

Loucura precoce

Acreditar em deuses?
Cada homem possui um deus dentro do peito.
Alguns trazem reveses,
outros cobrem de glórias o guerreiro eleito.

Meu sangue gela quando estou sozinho
pronto para morrer.
Arrastei-me, aos farrapos, no caminho,
e o que fui não há-de ser.

A carne é fraca e o espírito perece
aprisionado e inculto,
e quando a carne enfim desaparece
da Sombra nasce o Vulto.

Errei por muito tempo, relembrando,
uma paixão doentia.
Vivi como um cadáver miserando
na Terra da Agonia.

Das batalhas vencidas nesta guerra
aprendi a ser forte.
Como o coveiro que ao defunto enterra
enterrei minha sorte.

Sou um carteiro extravagante
que lê as cartas de outrem
para levar a vida adiante -
a dos outros, que a dele ele não tem.

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A função réproba do filho sem pai

Como alguém que fome sente
e caminha descontente
sem poder alimentar-se,
na poesia procuro
acender meu ser escuro
com uma vela de catarse.

Oração da auto-penitência

Eu sou a criatura estranha e louca
de passo tímido e existência pouca,
monstro de escuridão e de torpor.
Sou o carrasco dessa nova estética,
mártir tristonho da conduta ascética -
Olhai por mim, olhai por mim, Senhor.

Olhai pelos meus sonhos tão sombrios
que não verão a luz do manto azul;
olhai pelos meus áureos desvarios
e deixai-me sereno e pleno e nu;

Olhai por minhas asas sequiosas
destas imensidades arredias;
Vigiai meu coração - manto de rosas -
de onde brotam celestes harmonias...

Não me disseram, ó Pai dos penitentes,
que as almas superiores são malditas
por viverem pior que os indigentes
nesta terra de dores infinitas;

Só me basta saber que não me findo
como findam as luzes das estrelas
quando o nascente a imensidade vem medindo
numa ânsia de excitar no mar procelas...

Olhai por mim, em tudo e a toda hora,
desde a minha saída até a chegada,
pois minha alma estremece e treme e chora
qual uma criança numa casa abandonada.

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Ritmo sem compromisso

Vazias as formas no céu sem estrelas.
Não as posso ver nem tocar com a palma
da mão espalmada e carente de tê-las
pela sombra morta da noite que acalma.

Lembrança do sono sutil das meninas
dançando ciranda incorpórea na chuva,
caindo em gotículas frias e finas
chorando o bafejo da aragem viúva.

Acima, a celeste rainha dos ventos
bafeja voragens, voando sem asas,
e quanto mais voa rebenta em lamentos
que caem sedentos nos tetos das casas.

Vulcões de outras eras possuo em meu peito,
deitado no leito imagino o futuro:
sem asas, sem brisas - o ar rarefeito -
termino o cigarro no quarto escuro.

E as lavas ignotas explodem enquanto
a chuva impotente derrama seu pranto
ao longo do corpo que a morte deseja
num êxtase bronco durante a peleja

Meu sangue congela, e a estar congelado
me torna a regiões onde o frio que faz
obriga o vivente a portar-se calado
como se lhe houvessem tirado a paz.

Abril de 2008

Copyright 2008

O quadro do silêncio

Da vida não desejo o que me farte.
Escondo-me num quarto sem janelas
onde vomito esgoto e vomito arte
ao mesmo tempo em que acendo velas.

Estática a moldura na parede:
a foto de uma jovem entristecida -
deitada, meio bêbada de sede,
quebrada a taça que continha a vida.

Cânticos, odes, elegias várias,
galopes de corcéis e de alimárias,
harpas ferindo a quietude mansa...

E acima de qualquer entendimento
a noite embala o etéreo movimento
da jovem bela que sozinha dança.
Araxá, março de 2007.

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A voz interior

És infeliz! teus sonhos de ventura
fenecem frente ao fúnebre fastígio
de morrer sem deixar qualquer vestígio
à inominável geração futura.

Hedonista cruel! Por que possuis
esta necessidade de animal?
Nas pupilas dos teus olhos azuis
incandesce um imenso inferno astral!

Quando nasceste, o teu primeiro choro
soou terrível, como um desaforo,
aos ouvidos de tua genitora;

E agora que ela ignora as tuas lamúrias
só te resta amargar chagas espúrias
enquanto a Parca aguarda-te lá fora!

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ritmo divinal

Dos meus tristes dias não levo lembrança
Dos meus tristes dias ignoro os seus ninhos.
Só levo o meu tempo de infante criança
quando apetecia do céu os caminhos.

As lágrimas correm velozes na fronte
e o peito arfante acelera as batidas.
Sou o caminheiro defronte uma ponte
que teme cruzá-la e encontrar outras vidas.

Toda noite escrevo o que passa e me arrasta
através de matas sombrias e escuras
qual a férrea idéia de um iconoclasta
assombrado em meio cem mil sepulturas.

Minha alma reluz na água fria do lago
vibrando, estorcendo-se, amaldiçoando
o choro que pede o calor de um afago,
a noite que embala o soluço nefando.

Bailando... bailando a canção funeral
o meu pensamento conquista as alturas
que, quando mais altas, mais perto do Mal,
e quando mais baixo, tateia às escuras.

Auto-imagem

Perdi o bilhete de passagem
que possuía para a vida.
Não desisti, porém, da viagem -
só me cansei desta guarida.

A juventude ainda pulsa
em minhas veias escarlates;
somada à dor vem a repulsa
desses terríveis disparates...

O que é sonhar fortuitamente
pelas neblinas do Amanhã?
Mesmo saudável estou doente,
e a minha existência é fria e é vã...

Sou como um rio poluído
onde jogaram muitos vícios,
e corre solto, sem sentido,
num desaguar de sacrifícios...

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A um mendigo

Ser mendigo! Viver, dia após dia,
com as vestes rotas e o semblante sujo,
qual o cadáver de um infeliz marujo
apodrecido pela maresia!

Procura nos monturos o repasto -
e quando o encontra, esmaga-o entre os dedos -
mantendo, respeitoso, os olhos quedos
diante do prato pútrido e nefasto!

Se porventura esmola frente a igreja
o sacerdote que a assiste almeja
enxotá-lo como a um cão se enxota.

Só resta ao pobre carregar feridas
e relembrar paixões nunca vividas
de uma existência amiga da derrota.
Araxá, fevereiro de 2007

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Vínculo carnal

O homem que nunca amou vive apartado
como uma rês bravia.
O homem que ama concebe o próprio fado
e nele se extravia...

Já fui amantes dessas noites belas.
Hoje as não amo mais.
Hoje perco-me em rútilas procelas
num invisível cais.

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A descoberta do real

Eu canto o sonho que estertora a alma
e a pacifica e a estertora e a acalma
no espaço de milésimos velozes;
Este sonho, que habita em outro mundo
torna a todo o meu ser um chão fecundo
à concepção de atormentadas vozes

Que ecoam surdas, fúnebres, medrosas,
como se fossem um farfalhar de rosas -
sem ritmo, sem cadência e melodia;
E eu, virtuose sem virtuosismo,
sinto que sou um simples mecanismo
Sem sequer um resquício de alegria...

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Doido! Imaginas tu que por teres o verso
és capaz de mudar as normas do Universo?!
Oferece combate, enquanto em seu início,
à anemia moral! Põe os nervos no hospício!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O esgoto do jornal sujou a rua,
e a minha porta que jamais se abriu
com a força de um dispendioso rio
escancarou-se vegetal e nua.

E enquanto os transeuntes e a lua
molhavam os pés, prateando o desvario,
sibilações de sons, num tal cicio
se desprenderam desta gargantua.

Observei, com a intrepidez de um louco,
que o esgoto-jornal invadiria
minha mansarda escura, pouco a pouco.

Tentei fechar a porta - e quem diria!
As letras do jornal criaram asa
E invadiram os limites de minha casa.