"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A um mendigo

Ser mendigo! Viver, dia após dia,
com as vestes rotas e o semblante sujo,
qual o cadáver de um infeliz marujo
apodrecido pela maresia!

Procura nos monturos o repasto -
e quando o encontra, esmaga-o entre os dedos -
mantendo, respeitoso, os olhos quedos
diante do prato pútrido e nefasto!

Se porventura esmola frente a igreja
o sacerdote que a assiste almeja
enxotá-lo como a um cão se enxota.

Só resta ao pobre carregar feridas
e relembrar paixões nunca vividas
de uma existência amiga da derrota.
Araxá, fevereiro de 2007

Copyright 2008 - Todos os direitos registrados.

Nenhum comentário: