"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A labuta e o gesto

O destino me veio e eu mesmo o faço
transbordar de calamidades cheio -
e por bebê-lo, o meu orgulho alteio -
qual tempestade a esbravejar no espaço.

A labuta é inútil, e o cansaço
acompanha a labuta de permeio.
De nada vale semear com o braço
se a tormenta destrói o que semeio.

Mas o gesto é a hora - a hora cega -
Que me guia numa ânsia de refrega
E assassina a esperança de quem planta;

Destino excelso, vã experiência.
A labuta do gesto é a demência,
O cansaço da hora me suplanta.

Araxá, dezembro de 2008.

Nenhum comentário: