"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ritmo divinal

Dos meus tristes dias não levo lembrança
Dos meus tristes dias ignoro os seus ninhos.
Só levo o meu tempo de infante criança
quando apetecia do céu os caminhos.

As lágrimas correm velozes na fronte
e o peito arfante acelera as batidas.
Sou o caminheiro defronte uma ponte
que teme cruzá-la e encontrar outras vidas.

Toda noite escrevo o que passa e me arrasta
através de matas sombrias e escuras
qual a férrea idéia de um iconoclasta
assombrado em meio cem mil sepulturas.

Minha alma reluz na água fria do lago
vibrando, estorcendo-se, amaldiçoando
o choro que pede o calor de um afago,
a noite que embala o soluço nefando.

Bailando... bailando a canção funeral
o meu pensamento conquista as alturas
que, quando mais altas, mais perto do Mal,
e quando mais baixo, tateia às escuras.

Um comentário:

enten katsudatsu disse...

Alguns poemas seus parecem com a fase inicial do Ricardo Wagner, os sonetos e a temática. Se possível dá uma olhada no livro dele quando puder. Rumores da Existência.

A dor é luz e a escuridão apenas um olhar pra arte.

Abraço.

Cássio Amaral.

Cássio Amaral.