"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A uns olhos negros

Meus sonhos são estátuas deformadas,
criações imperfeitas de um artesão
que tem por ferramenta duas espadas:
uma em sua palma, outra no coração.

Das estátuas se ignora a imperfeição,
pois com vestes celestes adornadas
possuem o encanto estático das fadas
dormindo sob a auréola da Ilusão.

Um dia elas serão por mim despidas,
e o álacre das chagas, das feridas,
mudar-lhes-á o aspecto embevecido;

Mas a ternura dos teus negros olhos
esconderá os pútridos escolhos
que a outros olhos têm sobrevivido.

Araxá, em 2008.

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