"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Soneto improvisado em um guardanapo escuro

Nesta semana em que ninguém trabalha
(pelo menos aqueles que conheço)
cortarei o meu corpo com a navalha
pr'a ver se dessa forma eu desfaleço.

Busquei o teu carinho, o teu apreço,
e tu me deste o pano da mortalha
com que me visto agora, e reconheço
minha existência totalmente falha.

Já podem preparar a campa escura!...
Nada desejo além da sepultura,
nada observo senão um sumidouro;

E quando eu estiver com os braços frios
talvez os meus ignóbeis desvarios
possam tornar-se os meus castelos de ouro!

Araxá, em 2008.

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