segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Aquela que virá
Espera por aquela que lhe ofertará um beijo
Mas não a espere com tanto desejo.
Ela virá no tempo certo. Se a encontrar desperto
Fecha seus olhos para o sonho, para a vida
Que em fogo feneceu já consumida,
Mas como toda chama segue o vento,
Espere-a renascer, sem ódio ou ressentimento.
Então ela virá, a sussurrar delícias,
Coberta por um manto branco de carícias.
Beije-a e siga, ó viajante sem destino,
Tornado pelo amor mais uma vez menino.
Mas não a espere com tanto desejo.
Ela virá no tempo certo. Se a encontrar desperto
Fecha seus olhos para o sonho, para a vida
Que em fogo feneceu já consumida,
Mas como toda chama segue o vento,
Espere-a renascer, sem ódio ou ressentimento.
Então ela virá, a sussurrar delícias,
Coberta por um manto branco de carícias.
Beije-a e siga, ó viajante sem destino,
Tornado pelo amor mais uma vez menino.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Prólogo do livro "O Ensaio Falhado", de João Paulo Ribeiro
Este livro se chama O Ensaio Falhado.
Outro nome talvez lhe roubasse a essência.
O autor decidiu-se, por fim, publicá-lo.
Se ele lhe provocar algum tipo de abalo
É que ambos partilham da mesma demência.
Outro nome talvez lhe roubasse a essência.
O autor decidiu-se, por fim, publicá-lo.
Se ele lhe provocar algum tipo de abalo
É que ambos partilham da mesma demência.
Epílogo do livro "O Ensaio Falhado", de João Paulo Ribeiro
Co’ algum sacrifício a obra foi feita.
Busquei-a no fundo de meu fingimento.
Se tive o aval dos teus olhos alheios
Também foste presa dos mesmos anseios
Com que alimento minha alma imperfeita.
A última estrofe produzo-a agora:
O dia renasce no berço da aurora,
É tempo de luz quando a noite perece;
Ó Musa incorpórea, perdoa o poeta!
Quem sempre viveu com caprichos de asceta
Merece o estertor de uma última prece!
Busquei-a no fundo de meu fingimento.
Se tive o aval dos teus olhos alheios
Também foste presa dos mesmos anseios
Com que alimento minha alma imperfeita.
A última estrofe produzo-a agora:
O dia renasce no berço da aurora,
É tempo de luz quando a noite perece;
Ó Musa incorpórea, perdoa o poeta!
Quem sempre viveu com caprichos de asceta
Merece o estertor de uma última prece!
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Impressões do mar
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjkiwRMdX43XxyLvZgdnzyZxTa8I8MMyClMhSSfLJXOye3fr_YQqbzJlQ6CDfEuV32Nom8L5wE5I5sSWXiXbHSwVlrJOJiClYZH3xljP_IWKSVQSsnZN0dLCGUFJ6nylz2YE9anyCWFjo/s400/impress%C3%B5es+do+mar.jpg)
Eu nunca vi o mar. Meus olhos apenas o imaginam muito grande, imenso até. O mar escravo do horizonte! Ver-se sempre entre a linha que divide o sol e a água. Ser espelho da luz! Eu imagino o mar com suas ondas fortes, rebentando nos rochedos. Na calmaria o mar repousa barcos em velas. Haverá realmente o mar como eu o imagino? Acho que se um dia eu o encontrar, ficarei triste. Não pela imensidão de ser mar: talvez por me sentir pequeno diante. Eu que me acho tão grande, tão senhor de minhas insignificâncias... quando me souber mar (estando em sua frente), nada haverá em mim senão o sol se refletindo, alto e simples. Ao longe, um barco, um barco apenas, com a vela rasgada pelo ar. Assim será, quando eu tornar-me em mar.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Aviso
Todos os poemas postados neste sítio estão registrados em nome do autor, na Fundação Biblioteca Nacional, sob o número do ISBN (International Standard Book Number). É proibida a reprodução ou cópia dos mesmos. O plágio ou a apropriação de obra literária é crime previsto na Lei de Direitos Autorais n. º 9.609/98 e está sujeito aos trâmites legais, com pena prevista e multa.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Pontes e sonhos
Mais um dia de mesmice e tédio,
Febre do futuro incerto.
Movo-me como um réptil,
Frio, alheio e inédito.
Farsa atual do passado morno,
As olheiras novas olham em torno.
Tudo é vasto, desde que de olhos fechados.
O almoço me espera, mas da cama
Minha preguiça reclama
Os sonhos já sonhados.
Entanto é preciso ensinar na escola
A linguagem imprecisa da memória.
Eu não tenho saber além das pontes...
Quero apenas esquecer que sou
Muito pesado para alçar tal vôo.
Mas possuo a estatura dos meus horizontes.
Febre do futuro incerto.
Movo-me como um réptil,
Frio, alheio e inédito.
Farsa atual do passado morno,
As olheiras novas olham em torno.
Tudo é vasto, desde que de olhos fechados.
O almoço me espera, mas da cama
Minha preguiça reclama
Os sonhos já sonhados.
Entanto é preciso ensinar na escola
A linguagem imprecisa da memória.
Eu não tenho saber além das pontes...
Quero apenas esquecer que sou
Muito pesado para alçar tal vôo.
Mas possuo a estatura dos meus horizontes.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
O mundo ideal
Campos de flores, lírios.
Poças de sangue, espelhos.
Manicômios.
Pássaros e penas.
Gritos e tortura.
Cemitérios.
Um cão de orelhas cortadas.
Lâmpadas em tom vermelho.
Catedrais.
Homens em formigueiros.
Vasos cheios de poeira.
Nada mais.
Poças de sangue, espelhos.
Manicômios.
Pássaros e penas.
Gritos e tortura.
Cemitérios.
Um cão de orelhas cortadas.
Lâmpadas em tom vermelho.
Catedrais.
Homens em formigueiros.
Vasos cheios de poeira.
Nada mais.
A solidão escolheu-me para amante: encontrei-a num dia chuvoso, quando as nuvens se mostram pesadas. Recolhera-me mais cedo, acompanhado pelo sol. No prazo mínimo de uma reflexão, aceitei-a e dormimos juntos. Seu corpo incorpóreo se ria – havia encontrado o par perfeito. Desde então vivemos juntos, a solidão e eu.
Fingimento
Converti-me à religião de amar-te.
Nela não há sacrifícios nem temores.
Não há altares nem joelhos postos ao chão:
Há apenas uma vela efêmera
Que arde terrena no meu coração.
A Deusa não pede loas
E muito menos sacrifícios altos:
Ela deseja ósculos vermelhos
E flores de asfalto.
Um pouco mais me tornaria escravo
De tal divindade momentânea.
Mas minha fé sempre estará a salvo,
Pois que se fez intrepidez e chama.
Religioso excêntrico, praticante de heresias várias:
Desnudo o corpo do ser eleito
E o cubro de beijos no estertor das galas.
Ó minha Deusa, por que a vida é fugaz?
Eu morro quando te desnudo o manto
Mas tu não morres, antes vive mais...
Eu sofro a antítese do sol que nasce
Enquanto meu desejo expira;
Sofro a angústia de tocar-te a face
No enterro da noite, início do dia.
E tu recendes a incenso e mirra
Quando a manhã te levanta:
Eu vejo-te humana em minha fantasia,
Mesmo sabendo-te santa.
Há um Deus! Tu me disseste e agora eu acredito.
Ele criou o peixe e deu ao homem a rede;
Criou os bosques para os passarinhos,
Criou-te a ti para matar-me a sede!
E eu bebo em teu corpo que límpido jorra,
Eu como do pão que me ofereces:
Dar-te-ei pagamentos em ouro
Através do tesouro escondido em minhas preces...
Iremos felizes, as mãos muito juntas
Durante a viagem sem nome e sem tempo.
Iremos colhendo do chão as perguntas
Que a vida nos traz pelas asas do vento!
A fé que me move não move montanhas.
A Deusa que adoro é apenas humana...
Mas é quem eu amo.
Sou crente de um ser divinamente humano.
Nela não há sacrifícios nem temores.
Não há altares nem joelhos postos ao chão:
Há apenas uma vela efêmera
Que arde terrena no meu coração.
A Deusa não pede loas
E muito menos sacrifícios altos:
Ela deseja ósculos vermelhos
E flores de asfalto.
Um pouco mais me tornaria escravo
De tal divindade momentânea.
Mas minha fé sempre estará a salvo,
Pois que se fez intrepidez e chama.
Religioso excêntrico, praticante de heresias várias:
Desnudo o corpo do ser eleito
E o cubro de beijos no estertor das galas.
Ó minha Deusa, por que a vida é fugaz?
Eu morro quando te desnudo o manto
Mas tu não morres, antes vive mais...
Eu sofro a antítese do sol que nasce
Enquanto meu desejo expira;
Sofro a angústia de tocar-te a face
No enterro da noite, início do dia.
E tu recendes a incenso e mirra
Quando a manhã te levanta:
Eu vejo-te humana em minha fantasia,
Mesmo sabendo-te santa.
Há um Deus! Tu me disseste e agora eu acredito.
Ele criou o peixe e deu ao homem a rede;
Criou os bosques para os passarinhos,
Criou-te a ti para matar-me a sede!
E eu bebo em teu corpo que límpido jorra,
Eu como do pão que me ofereces:
Dar-te-ei pagamentos em ouro
Através do tesouro escondido em minhas preces...
Iremos felizes, as mãos muito juntas
Durante a viagem sem nome e sem tempo.
Iremos colhendo do chão as perguntas
Que a vida nos traz pelas asas do vento!
A fé que me move não move montanhas.
A Deusa que adoro é apenas humana...
Mas é quem eu amo.
Sou crente de um ser divinamente humano.
terça-feira, 27 de julho de 2010
O galo
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUntucj_Zxa9gy1XJE_k0N3DWWx4llj60nw1YeIwm5t1cTbR0T9lEpynJnAcA01HmaQqx7Fa5SheRdwCq5UP3aIFX5Ff5GfxyGgc481chbQGzkaUY6zY__GgYB43D0KAExKfU2WrhF5kc/s400/galo.jpg)
O galo esporeia o ar
Em seu imaginário
Combate de esporas.
Olha ao redor... vislumbra
A penumbra do dia:
Adversários possantes
Querem-lhe a carne e o sangue.
O galo necessita
De batalhas sangrentas,
Na afirmação maldita
De sua soberania.
O galo as penas bica
E sente o colorido
Do sol na própria crista.
Na altivez de ser galo
Mede a sombra
Que projeta:
A sombra é o inimigo
E vem com hora certa.
Não sabe por que dorme
Apoiado nos pés;
Não sabe por que engole
Um grão de cada vez.
Mas vive desconfiado
E canta quando há voz:
Alteia o corpo alado
E vai, desesperado,
Cantar na noite só.
O galo é que governa
E rege as madrugadas:
Do plano até a serra
Seu canto cobre a terra:
O galo dá ao sol
As primeiras coordenadas.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Clown
Tenho sido o palhaço sem circo
Mas que inda usa maquiagem.
Trago em minha bagagem
A persona que visto
E outra apenas vontade.
De mui longe eu vim
Para dar espetáculo.
Entro no último ato,
Quando a platéia foge.
Tenho tantos sorrisos
Quanto dores no alforge.
Nestes gestos bizarros
De palhaço em declínio
Eu escondo meus traços
Sob o véu do fascínio.
Piruetas de símio
Vão me dando contrastes.
Mas o que tu não sabes
Eu o sei desde há muito:
Nunca tive o intuito
De fazer-me palhaço.
Pobre de todas as máscaras
Eu ainda as trago à face:
Elas não sabem que escárnio
Possui o sol quando nasce.
Não entendem a loucura
Irmã do infame palhaço.
A chaga aberta supura
Quando ao sorriso me enlaço...
Supérfluo desejo de riso
Desperta a fúria do que chora:
Eu, como palhaço,um cínico.
Mas isso a platéia inda ignora...
Mas que inda usa maquiagem.
Trago em minha bagagem
A persona que visto
E outra apenas vontade.
De mui longe eu vim
Para dar espetáculo.
Entro no último ato,
Quando a platéia foge.
Tenho tantos sorrisos
Quanto dores no alforge.
Nestes gestos bizarros
De palhaço em declínio
Eu escondo meus traços
Sob o véu do fascínio.
Piruetas de símio
Vão me dando contrastes.
Mas o que tu não sabes
Eu o sei desde há muito:
Nunca tive o intuito
De fazer-me palhaço.
Pobre de todas as máscaras
Eu ainda as trago à face:
Elas não sabem que escárnio
Possui o sol quando nasce.
Não entendem a loucura
Irmã do infame palhaço.
A chaga aberta supura
Quando ao sorriso me enlaço...
Supérfluo desejo de riso
Desperta a fúria do que chora:
Eu, como palhaço,um cínico.
Mas isso a platéia inda ignora...
terça-feira, 25 de maio de 2010
Espera
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZjkcX_4412qyevTnwxB31zx_HGFLWTPDnjM1oKh2cLaspj1EYV81EJsBhjtGq0PlYdB1wYqPiGiy8duSrQ_2zW49t0cZxR5YzA7f3leUccFURSsl5mHKD6HOOzNT1h7R9FR8rkcpJP9A/s400/ausencia.jpg)
Eu te esperei por muito tempo,
Por muito tempo eu aguardei:
Sentei-me longe, na distância,
Aonde ninguém passa
Mas tu não vieste celebrar
O que de mim era perfeito...
Fiquei sozinho
No que de mim fosse o caminho,
No que de ti fosse magia...
Não senti dor,
Nem mesmo a dor da alegria.
Agora vens dissimulada,
Deténs poder de possuir
A minha carne imaculada.
És elixir.
De ti não beberei.
Talvez nem saiba prosseguir
Nesta terra sem lei.
Mas ficará tua lembrança,
Aragem no deserto.
Um fio tênue de esperança
Imaginar-te bem de perto...
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Abertura
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCehZH8xP_KsBdAyqaSZ7nP03uw9MBb3Tcedj8NijjUimPu8SRHh_hX5szcypmctUPXVRBKgeMTgJ7HhRXJRe4FV4SXRGyYIPqLHpayQhwO2s-6BZWNDsVOFIbqgCY5LDX21HmbaiNriw/s400/Abertura.jpg)
Escrevi este livro necessário
Para guardar as cinzas do Passado.
Se acaso o verso parecer forçado
E por de mais prosaico e precário
É que o fiz no escuro, quando a noite
Torna-se imensa como um precipício.
Ele contém a dor da vida, o açoite
Das almas que se entregam ao sacrifício.
Sou moço ainda. A juventude pulsa
Com a força do veneno mais letal;
A água que bebo só me traz repulsa,
O alimento que como me faz mal.
Mero artifício de Arte inacabada,
O meu livro é composto, essencialmente,
Dos matizes sangrentos da alvorada
E das tristezas vãs de toda a gente.
Assim, quando o abrir, leitor funesto,
(Todo leitor tem amizade à morte)
Verá que concebi meu manifesto
À revelia de mostrar-me forte.
Das imagens etéreas, do crepúsculo,
Da Lua amiga dos que não têm sono,
Do ancestral espasmo de um músculo,
Do Amor que sinto – meu senhor e dono:
Recebam agora as homenagens frias
Da alma perdida que só quer descanso.
O meu livro é a síntese dos dias
Nos quais meu coração era um demônio manso.
Perdizes, novembro de 2009
Liberação
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiShWQA4-HYUZijUKOkFZgmqbqAo9TiYinYTZxeG-W_ejP1MJ2gZj6Iydsi03xw5O0CQS8urBdPMr9B9dEO1Yiwxlf8hdeCLAdMgImAqcp-AiisIOVRqKEeVI7NtRspue2q6Iq21-IS5nk/s400/LIBERA%C3%87%C3%83O.jpg)
Tu podes celebrar as tuas bodas
Com quem quiseres, pois serás amada;
As alegrias que buscares, todas
Virão no seio da manhã raiada.
Tu podes perfumar teu corpo esguio
E oferecê-lo ao Príncipe que sonhas;
Ele virá como um animal no cio
E tu serás Princesa das Vergonhas...
Quanto a mim – condenado a ser sozinho,
Vou voar, voar feito um passarinho
Que projeta no céu a dor das asas.
Se me comparo a ti, reflito adrede:
Foges do incêndio que meu peito pede –
Enquanto eu ardo em minhas próprias brasas...
quarta-feira, 12 de maio de 2010
A causa do meu mal
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitanBlFwXaLQgeJP2jQLWBtYTrR9S-5CM9-Y17Tc1SJhsXYlU3cBl4d1b3sfRSpD7OyhhvIHDfbGeeZJEnZvUXC3Ovr-YBryl-7_-jW25BZ-yXNU48V8RKShemHsvPObfCpWekYUVeLG8/s400/a+causa+do+meu+mal.jpg)
Saber-te pura como um canto de ave,
Como o balbuciar de uma criança;
Saber-te dona da dourada chave
Que abre as janelas de minha esperança.
Saber-te luz primeira da alvorada
Que leva a noite para descansar;
Saber-te imagem clara e perfumada,
Diante da qual me irei ajoelhar.
Saber-te templo, e desse templo o deus,
Saber-te o gesto triste de um adeus,
Saber-te fantasia em tom real;
Saber-te mais e muito mais ainda:
Reconhecer-te à minha imagem finda
Quando souber-te a causa do meu mal...
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Soneto
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy9wgf-_nf-Had75pDt89guqiJvYIX5JzCIpBeD9YSWmiEPzi6Ku34rXLOrcwycdOFg5SLFqJFEXoENlqlK9N4vrZF9Y_MXGTlIt3UFadfboq03eJww-yuD-Ub1w58CZKsfC7dLPGC48s/s400/metaf%C3%ADsico.gif)
Se há um Deus, se Dele a vida brota
Para o ciclo nervoso da matéria,
Se ao final desta guerra a luz derrota
A escuridão fatídica e funérea,
Se Ele jogara um anjo ao precipício
Para que os outros anjos o temessem,
E tudo retornasse a um só início,
E nesse início os homens padecessem,
Se Deus (ou outro nome e outra sina)
Ao fim de tudo esquece, e assim termina
Por perdoar ao pobre pecador,
Por que magoa tanto a nossa alma,
Se no final Ele a acolhe e a acalma,
Se no final Ele lhe dá calor?!...
A bailarina
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9-Y4volArqa-RUohidGWwDU_d4baWuXyQJmoiIBBP8CJOvIg74MC3fWOnrYxxx1k3p1P3EQegmOYDgAsHyYklFaOIueHWrQVBUDpucD3JlnQTz7PKLHOF2mQoLRDVLHOc7Wk4WigXlNM/s400/bailarina.jpg)
A Jenny Galdino
A bailarina o véu trespassa
Com gestos fúlgidos de moça:
O que de dança ela mantinha,
O que de mel tinha na boca.
O que de simples fosse a dança
Em pano, sapatilhas novas:
São sapatilhas de criança
De pé alheio a novas provas.
O que de jovem pareceu
Dançar sapatos velhos,
O que da vida pereceu
Andar com passos cegos.
O mundo a bailarina pisa
A dor da dança ela comete:
Na alma, não nos pés,
A bailarina se reflete.
É comovente essa linguagem,
É nebuloso aprendizado:
A dança nela é tinta-guache
Em quadro novo, inacabado.
Outras platéias quer agora,
Outros teatros redourados
A bailarina rememora
Vernizes visuais e vários.
Agora dança em outra órbita
Em outro estágio se mantém:
Acaricia a luz sonora
E faz o ritmo de refém.
Um passo... dois... três passos grandes
No palco estranho destas formas;
Um sonho novo que se expande
Sem normas.
Em tudo fica um céu aberto
Quando ela dança, lenta câmera:
O corpo claro, circunspecto,
Cortando o vento feito lâmina.
O giro entanto só é perfeito
Se há alguém a acompanhá-lo:
Dois corpos livres, desespero
De abandonar o ser estático.
Nos vãos do solo o rodopio
Dos passos castos, vasto embalo:
Um gesto franco no delírio,
Estilo só de abandonado.
Talvez o ritmo da passista
Explique mais do que o silêncio,
Penumbra de paisagem prisca,
Afago, vôo, contentamento.
Talvez não saiba por que dança,
Por que aprendera o andar das plumas:
Só quer o encontro de outros passos,
Para poder dançar na chuva.
Araxá, maio de 2010
Soneto
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQx7qidmvHhcC5pag8IzsWRswBuQGafCmLF3HvoPWBWtkQEgxqcyQ9KYu4KFVxHmGTX-g3M3nX3cKJZQ5pqxENVlZ7OGUAB2kSFgZKTzwYramHsgpF5zhtlESIPmxQcTOnk5awo0S4bOM/s400/os+meus+sonhos+de+amor+s%C3%A3o+dois+velhinhos.jpg)
Os meus sonhos de amor são dois velhinhos,
Enrolados na manta da agonia;
Só se alegram ao ouvir os passarinhos
Que a Esperança alimenta todo dia.
Quando jovens, colhiam dos caminhos
Rosas de prata que a manhã trazia;
Não lhes magoava os ásperos espinhos
Nem tampouco o nascer da aragem fria.
Prelúdio outonal, ânsias de abandono:
Todas as rosas, já com muito sono,
Fenecem na aridez de outra estação;
Da mesma forma os sonhos vão dormir:
Encorajados sempre a prosseguir
Terminam por murchar no coração.
Araxá, em 2010
terça-feira, 13 de abril de 2010
DIVAGAÇÕES DA CERTEZA
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUbHS8-FYleSVIYrPABpQPSJ8ctqns03Nf5XKnpbSy0CmyqjuG55jhe0d9jWEfy1yu5ZzETgOincN3bvFciuO2-MvrzY_Vjjex0WJuzveHHzcUse_5nEyjrO1nitvp_gN_cuxtm_FhnCk/s400/divaga%C3%A7%C3%B5es+da+certeza.jpg)
Mesmo se aqui a não tiver, por entre os ramos
Deste jardim perfeito,
Hei de lembrar-me o quanto nos amamos
No calor do seu leito;
Mesmo que a sombra faça escuro o que era claro
E emudeça o sonoro,
Hei de deixar no lábio o mínimo de amparo
Daquela a quem adoro;
Mesmo que o céu expulse as estrelas brilhantes
E deserto se faça,
A lua surgirá p’ra todos os amantes
Quando Amor os enlaça;
Mesmo que os braços já não possam abraçar
A criança querida,
E ensiná-la os primeiros esforços de amar
A sua própria vida;
Mesmo que tudo desmereça a ação piedosa
De acolher um mendigo,
E depois disso tudo ofertar-lhe uma rosa
E chamá-lo de amigo;
Mesmo que a mãe rejeite o filho e o deixe ao léu,
A vagar sonolento,
As nuvens se abrirão e ele verá o céu
Abrir-se ao vão do vento;
Mesmo que a Morte venha, e eu sei que ela virá
Para elevar meu canto,
Eu levarei de mim a hora boa e a má,
Áurea coroa e manto;
Mesmo que o poema seque e na aridez pereça,
Voltando ao que era dantes,
Vai ficar no papel uma nódoa espessa
E depois há de vir quem reconheça
Verdes vestígios, diamantes.
Araxá, em 2010.
UM TOQUE
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDYopNi9kEBFGMpYx1eVTfrtWjvJdgj9x0nEXn56j32f2n2eLaCFZjwuFPAYHPmXD8UO5TgSMGnHbHFH_vY9goZ9JnepK-AT2OOrGNDQfj1Y2_cjZPbLcccj3-2ziHk_160h_GJ5fFih0/s400/um+toque.jpg)
Gostaria de saber
Por que me negaste um toque.
Seria apenas esmola,
Esmola para quem sofre.
Fosse preciso carícia
Ou até mesmo ternura,
Não to pediria assim
Desesperado de chuva.
Um toque muito suave,
Dos teus dedos sem retoque,
Um toque teimoso de ave --
Não afago, apenas toque.
Entretanto mo negaste:
Coisa simples, sem valor.
Um simples toque na face
De quem sofria de amor.
Araxá, em 2010
TEMPO DE GUERRA
Sentado à beira da praia, sentindo o vento,
Vejo uma embarcação cheia de mulheres:
As viúvas dos que estiveram na guerra.
Medonha, perdida, sangrenta.
Vêm acompanhadas.
Acompanhadas por soldados inimigos.
Vejo uma embarcação cheia de mulheres:
As viúvas dos que estiveram na guerra.
Medonha, perdida, sangrenta.
Vêm acompanhadas.
Acompanhadas por soldados inimigos.
SÍNTESE
O AMANTE EM SEGREDO
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNH2s8Wddid070kVfvEyj5JY1Ce8onQpAGB38tBiAK7E3hqTDJfYMHO9fIcuuPaNTf-3CruBAunTpPTIi3Tg0QJfLRkZfeQOAnXN843FtqtFgQsb3-D6zU2xX7tsHs3q-cqZK4S0YlhQQ/s400/o+amante+em+segredo.jpg)
Sinto a ironia bafejar meu rosto
Quando me olham, bordados de festejos;
Comentam entre si o extremo gosto
Com que da solidão eu sorvo os beijos.
E eu passo, fomentando comentários,
Por entre a turba dos gracejadores;
Mal sabem a pequenez dos seus salários
Frente à dissipação de meus amores...
Quem muito ouro possui, sempre o esconde –
Sem que ninguém suspeite dele, aonde
Menos se possa, cobiçando, olhar;
Da mesma forma, príncipes, procedo:
Enquanto vós falais, amo em segredo,
Pois só em segredo é que se pode amar.
DISTÂNCIA
DA ESCRITA IMPENITENTE
A ÓRBITA DO DESENCANTO
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwRyS0UClrf2FnwKV9MPOckJ7gV0fyAssJPJ5AzZY4PbRyf53wMxgp3oEdtUWNDNmUivaJ-SZhvkAoOQWcR_uoWaRryQVxaZzuKsgiMv0MvvqCpvpeu3FDqUIx27_7RiAKGDa-l_xxBPk/s400/%C3%B3rbita+do+desencanto.jpg)
Ninguém contempla o céu como eu o contemplo.
Meus olhos são azuis de contemplá-lo.
Acordo, e lá está – o único templo
Acima de qualquer terrestre abalo.
Se está alegre, encontra-se aberto,
Fechado fica se contrariado;
Se a noite o deixa de clarões deserto
À lua o brilho pede-lha emprestado.
Mas quando chega a tempestade e o raio
O céu desaba em súbito desmaio,
E enche de púrpura o divino manto.
Ninguém contempla o céu como eu o faço,
Com a certeza de que há muito espaço
Fora da órbita do Desencanto.
Araxá, em 2010
A ESCRITA DOS DEFUNTOS
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5AJFDdzqDWo7QCdzOLUTg6rOharmEUwDrsbr2HIQlYLq8e37fL82brmUyJ6obt9p9B3ARPi4bdQpTl2yenU2b36M-kyRwOfhnofPTFx211n8SUaJb-YSTNoShljdbj76ClU-qtUQnXS8/s400/a+escrita+dos+defuntos.jpg)
A minha inspiração é tão pequena
Que resulta na imagem pouco clara.
De nada importa... a poesia encena
O drama com que nada se compara.
É difícil, entretanto, coordená-la
Ou conduzi-la no estertor da pena.
O perfume, porém, que dela exala
Deixa inveja na rosa e na açucena.
Já me disseram que cantar com métrica
Deixa no poema uma paisagem tétrica,
Como se fosse escrito por defuntos;
Mas é assim que canto e sei cantar:
À sombra do passado tumular
Eu amortalho todos os assuntos.
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