"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 27 de julho de 2010

O galo


O galo esporeia o ar
Em seu imaginário
Combate de esporas.
Olha ao redor... vislumbra
A penumbra do dia:
Adversários possantes
Querem-lhe a carne e o sangue.

O galo necessita
De batalhas sangrentas,
Na afirmação maldita
De sua soberania.

O galo as penas bica
E sente o colorido
Do sol na própria crista.

Na altivez de ser galo
Mede a sombra
Que projeta:
A sombra é o inimigo
E vem com hora certa.

Não sabe por que dorme
Apoiado nos pés;
Não sabe por que engole
Um grão de cada vez.

Mas vive desconfiado
E canta quando há voz:
Alteia o corpo alado
E vai, desesperado,
Cantar na noite só.

O galo é que governa
E rege as madrugadas:
Do plano até a serra
Seu canto cobre a terra:

O galo dá ao sol
As primeiras coordenadas.

Nenhum comentário: