"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Impressões do mar


Eu nunca vi o mar. Meus olhos apenas o imaginam muito grande, imenso até. O mar escravo do horizonte! Ver-se sempre entre a linha que divide o sol e a água. Ser espelho da luz! Eu imagino o mar com suas ondas fortes, rebentando nos rochedos. Na calmaria o mar repousa barcos em velas. Haverá realmente o mar como eu o imagino? Acho que se um dia eu o encontrar, ficarei triste. Não pela imensidão de ser mar: talvez por me sentir pequeno diante. Eu que me acho tão grande, tão senhor de minhas insignificâncias... quando me souber mar (estando em sua frente), nada haverá em mim senão o sol se refletindo, alto e simples. Ao longe, um barco, um barco apenas, com a vela rasgada pelo ar. Assim será, quando eu tornar-me em mar.

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