"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009


O que de amor buscamos, mal o sabemos. Paga-se muito pela dúvida. Ama-se a ilusão, quer-se a criatura amada como um espelho aonde só se lhe reflita o encanto. Qualquer espelho pode ser quebrado; qualquer encantamento, diluído. Poderia o viajante do deserto se deparar com um oásis tão belo quanto a imagem de Amor? Poderia o sol nascer tão fulgurante se não houvesse as trevas da noite e a solidão da lua? Um monge habita aspérrima caverna. Seu coração, por mais privado que esteja do convívio humano, ainda quer amar. Sente a necessidade de doação à divindade de sua crença ou à criatura que deixara no lar de sua infância. Aquela é idolatrada por multidões; esta, por uma única alma. Mas o fervor dessa crença é a seiva que ainda lhe permite continuar.
Perdizes, julho de 2009

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