"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

sábado, 20 de setembro de 2008

Mártir dos escombros

A todo homem que sofre agora canto
pois tenho em mim a Humanidade inteira,
e quando um sofre, também sofro, enquanto
a mim não chega a hora derradeira.

Filhos legítimos do desencanto,
sou o afago-reflexo em vossas vistas,
clarão da Idéia, insensatez do pranto,
reflexos de diamantes e ametistas.

Se brilha o Sol e a luz da Lua brilha
minha alma é uma mendiga, é uma andarilha,
que procura esmolar luzes mais fortes.

Carrego em mim, ah!, mártir dos escombros,
a Tristeza do mundo sobre os ombros
e um cemitério com um milhão de mortes!
Araxá, em 2008.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O barco e seu destino

O barco desconhece o seu destino
mas o cumpre no mar.
Meu destino o cumpri desde menino
e o não pude mudar.

Como quem se distrai e não enxerga bem
a chegada das trevas,
não me pude encontrar nos suspiros do Além
de outras Eras primevas.

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Suicida-embrião

O suicida-embrião
estuda, lentamente, e premedita
como ausentar-se deste mundo vão
e anestesiar a consciência aflita.

Melhor morrer com honra
do que viver sem ela.

Indagação aos Militares Fúnebres

Qual será a punição para o soldado
que desiste da guerra?

O espantalho

Minhas ânsias, minhas febres,
minhas esperanças breves,
dêem-me a força redentora.

Sou um espantalho triste
que paralisado assiste
ao assalto na lavoura...

O imbecil

Onde os santos protetores?!...
Neste festival de horrores
tudo acaba, nada dura.
O Sonho nasce e perece
como em seu âmago houvesse
patologias sem cura!

Loucura precoce

Acreditar em deuses?
Cada homem possui um deus dentro do peito.
Alguns trazem reveses,
outros cobrem de glórias o guerreiro eleito.

Meu sangue gela quando estou sozinho
pronto para morrer.
Arrastei-me, aos farrapos, no caminho,
e o que fui não há-de ser.

A carne é fraca e o espírito perece
aprisionado e inculto,
e quando a carne enfim desaparece
da Sombra nasce o Vulto.

Errei por muito tempo, relembrando,
uma paixão doentia.
Vivi como um cadáver miserando
na Terra da Agonia.

Das batalhas vencidas nesta guerra
aprendi a ser forte.
Como o coveiro que ao defunto enterra
enterrei minha sorte.

Sou um carteiro extravagante
que lê as cartas de outrem
para levar a vida adiante -
a dos outros, que a dele ele não tem.

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A função réproba do filho sem pai

Como alguém que fome sente
e caminha descontente
sem poder alimentar-se,
na poesia procuro
acender meu ser escuro
com uma vela de catarse.

Oração da auto-penitência

Eu sou a criatura estranha e louca
de passo tímido e existência pouca,
monstro de escuridão e de torpor.
Sou o carrasco dessa nova estética,
mártir tristonho da conduta ascética -
Olhai por mim, olhai por mim, Senhor.

Olhai pelos meus sonhos tão sombrios
que não verão a luz do manto azul;
olhai pelos meus áureos desvarios
e deixai-me sereno e pleno e nu;

Olhai por minhas asas sequiosas
destas imensidades arredias;
Vigiai meu coração - manto de rosas -
de onde brotam celestes harmonias...

Não me disseram, ó Pai dos penitentes,
que as almas superiores são malditas
por viverem pior que os indigentes
nesta terra de dores infinitas;

Só me basta saber que não me findo
como findam as luzes das estrelas
quando o nascente a imensidade vem medindo
numa ânsia de excitar no mar procelas...

Olhai por mim, em tudo e a toda hora,
desde a minha saída até a chegada,
pois minha alma estremece e treme e chora
qual uma criança numa casa abandonada.

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Ritmo sem compromisso

Vazias as formas no céu sem estrelas.
Não as posso ver nem tocar com a palma
da mão espalmada e carente de tê-las
pela sombra morta da noite que acalma.

Lembrança do sono sutil das meninas
dançando ciranda incorpórea na chuva,
caindo em gotículas frias e finas
chorando o bafejo da aragem viúva.

Acima, a celeste rainha dos ventos
bafeja voragens, voando sem asas,
e quanto mais voa rebenta em lamentos
que caem sedentos nos tetos das casas.

Vulcões de outras eras possuo em meu peito,
deitado no leito imagino o futuro:
sem asas, sem brisas - o ar rarefeito -
termino o cigarro no quarto escuro.

E as lavas ignotas explodem enquanto
a chuva impotente derrama seu pranto
ao longo do corpo que a morte deseja
num êxtase bronco durante a peleja

Meu sangue congela, e a estar congelado
me torna a regiões onde o frio que faz
obriga o vivente a portar-se calado
como se lhe houvessem tirado a paz.

Abril de 2008

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O quadro do silêncio

Da vida não desejo o que me farte.
Escondo-me num quarto sem janelas
onde vomito esgoto e vomito arte
ao mesmo tempo em que acendo velas.

Estática a moldura na parede:
a foto de uma jovem entristecida -
deitada, meio bêbada de sede,
quebrada a taça que continha a vida.

Cânticos, odes, elegias várias,
galopes de corcéis e de alimárias,
harpas ferindo a quietude mansa...

E acima de qualquer entendimento
a noite embala o etéreo movimento
da jovem bela que sozinha dança.
Araxá, março de 2007.

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A voz interior

És infeliz! teus sonhos de ventura
fenecem frente ao fúnebre fastígio
de morrer sem deixar qualquer vestígio
à inominável geração futura.

Hedonista cruel! Por que possuis
esta necessidade de animal?
Nas pupilas dos teus olhos azuis
incandesce um imenso inferno astral!

Quando nasceste, o teu primeiro choro
soou terrível, como um desaforo,
aos ouvidos de tua genitora;

E agora que ela ignora as tuas lamúrias
só te resta amargar chagas espúrias
enquanto a Parca aguarda-te lá fora!

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ritmo divinal

Dos meus tristes dias não levo lembrança
Dos meus tristes dias ignoro os seus ninhos.
Só levo o meu tempo de infante criança
quando apetecia do céu os caminhos.

As lágrimas correm velozes na fronte
e o peito arfante acelera as batidas.
Sou o caminheiro defronte uma ponte
que teme cruzá-la e encontrar outras vidas.

Toda noite escrevo o que passa e me arrasta
através de matas sombrias e escuras
qual a férrea idéia de um iconoclasta
assombrado em meio cem mil sepulturas.

Minha alma reluz na água fria do lago
vibrando, estorcendo-se, amaldiçoando
o choro que pede o calor de um afago,
a noite que embala o soluço nefando.

Bailando... bailando a canção funeral
o meu pensamento conquista as alturas
que, quando mais altas, mais perto do Mal,
e quando mais baixo, tateia às escuras.

Auto-imagem

Perdi o bilhete de passagem
que possuía para a vida.
Não desisti, porém, da viagem -
só me cansei desta guarida.

A juventude ainda pulsa
em minhas veias escarlates;
somada à dor vem a repulsa
desses terríveis disparates...

O que é sonhar fortuitamente
pelas neblinas do Amanhã?
Mesmo saudável estou doente,
e a minha existência é fria e é vã...

Sou como um rio poluído
onde jogaram muitos vícios,
e corre solto, sem sentido,
num desaguar de sacrifícios...

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A um mendigo

Ser mendigo! Viver, dia após dia,
com as vestes rotas e o semblante sujo,
qual o cadáver de um infeliz marujo
apodrecido pela maresia!

Procura nos monturos o repasto -
e quando o encontra, esmaga-o entre os dedos -
mantendo, respeitoso, os olhos quedos
diante do prato pútrido e nefasto!

Se porventura esmola frente a igreja
o sacerdote que a assiste almeja
enxotá-lo como a um cão se enxota.

Só resta ao pobre carregar feridas
e relembrar paixões nunca vividas
de uma existência amiga da derrota.
Araxá, fevereiro de 2007

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Vínculo carnal

O homem que nunca amou vive apartado
como uma rês bravia.
O homem que ama concebe o próprio fado
e nele se extravia...

Já fui amantes dessas noites belas.
Hoje as não amo mais.
Hoje perco-me em rútilas procelas
num invisível cais.

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A descoberta do real

Eu canto o sonho que estertora a alma
e a pacifica e a estertora e a acalma
no espaço de milésimos velozes;
Este sonho, que habita em outro mundo
torna a todo o meu ser um chão fecundo
à concepção de atormentadas vozes

Que ecoam surdas, fúnebres, medrosas,
como se fossem um farfalhar de rosas -
sem ritmo, sem cadência e melodia;
E eu, virtuose sem virtuosismo,
sinto que sou um simples mecanismo
Sem sequer um resquício de alegria...

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Doido! Imaginas tu que por teres o verso
és capaz de mudar as normas do Universo?!
Oferece combate, enquanto em seu início,
à anemia moral! Põe os nervos no hospício!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O esgoto do jornal sujou a rua,
e a minha porta que jamais se abriu
com a força de um dispendioso rio
escancarou-se vegetal e nua.

E enquanto os transeuntes e a lua
molhavam os pés, prateando o desvario,
sibilações de sons, num tal cicio
se desprenderam desta gargantua.

Observei, com a intrepidez de um louco,
que o esgoto-jornal invadiria
minha mansarda escura, pouco a pouco.

Tentei fechar a porta - e quem diria!
As letras do jornal criaram asa
E invadiram os limites de minha casa.