"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O retorno


Voltou a fazer versos
Com o quase o mesmo arroubo
Daqueles outros tempos
De louco.

Os bolsos sem vintém
Reclamam alimento.
Prometeu possuí-la
No vário do momento.

É mais um ser eterno
Mas inda não é anjo.
Um pouco mais sincero
E estranho.

Ensimesmado, rói
O pão que lho mandaram.
Observa-se no espelho
E vê que é muito raro.

Mas sempre que alimenta
O corpo de misérias,
Rebenta no seu corpo
Outra moléstia.

Pouco sabe da vida
Egressa (se a teve);
Esconde os infortúnios
E tem sede.

Pouco sabe do amor,
Apesar de estorcer-se
Quando possui um corpo
No ardor da rede.

Enquanto vive, vai
Por caminhos estreitos
Desordenando vidas
E entorpecendo leitos.

Talvez da mágoa guarde
O círio e a vela acesa;
Talvez sua musa impura
Não possua beleza.

Os versos, as estrofes,
As rimas e a métrica
Nascem silenciosas
No berço do poeta.

E quando ele acredita
Saber fazer poemas
Mal sabe que só paga
As próprias penas.

Assim como se envolve,
Assim como se encharca
Do pranto que o comove,
Da máscara que o guarda

Não pode ser sincero
Mesmo que fosse em sonho,
Não pode ser na vida
Do lar paterno o escombro,

Mal sabe, inconseqüente,
Dos atos que produz
Nem se lhes toma conta
Nem se lhes reconduz.

Voltou a fazer versos
Feroz e solitário.
Voltou a fazer versos
Como um desesperado.
Perdizes, outubro de 2009

Um comentário:

Jey Cassidy disse...

Lindo!E que bom que voltou...