"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O homem na janela


__ Ele me parece terrivelmente infeliz!... - disse a garota que o observava, a fumar, encostado à janela.

__ Sim, é muito infeliz. Mas tem um ar tão superior que a maioria das pessoas pensa que a vida lhe deu apenas dias bons. Escolheu o caminho mais difícil - o da Arte - não só a Arte como um objetivo, na maioria das vezes fútil; ele vive essa Arte, contempla o céu de uma forma que eu jamais conseguiria... Arte vivida. Além disso, sente demasiado. Entrega-se ao amor de forma estarrecedora, vive-o em cada respiro, busca a mulher amada em cada pensamento, desespera-se em cada gesto. Eu sei que ele ainda ama, ama da mesma forma que antes, mas agora é pior: ele ama e despreza, deseja e odeia. Se você soubesse a quem ele vota todos os seus dias, ficaria estarrecida. A mulher a quem ele adora - pois ele em verdade a adora - é o oposto de sua opulenta erudição.

__ Ela o desprezou? - indagou a jovem.

__ Sim. Talvez por simples capricho de mulher inexperiente e tola, ou
talvez ainda por medo. Medo de se confrontar com tamanha sensibilidade, tamanha entrega por parte dele. Medo até mesmo de que ele, ao contemplá-la com os olhos cruéis da realidade, tomasse-a pela forma com que ela mesma se vê.

__ Um homem desses deve ser um abismo imenso, um ser de matizes raros.

__ Venha comigo, eu to apresentarei.

Perdizes, outubro de 2009

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