"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Soneto


A quem pudesse errar assim como eu
Amante do erro sou, e mais pudesse
Cantar com mais tristeza do que Orfeu
Cantou sozinho a derradeira prece;

A quem pudesse amar como amei
A criatura indigna que despreza;
A quem soubesse a solidão de um frei
Que não tem esperança e ainda reza,

A quem soubesse ver-me como sou
E a minha vida a seiva alimentasse
No acalento materno de outra infância...

Eu lhe daria a dor de quem amou
Traduzida num beijo alheio à face.
Um beijo sem ternura e sem ânsia.
Perdizes, outubro de 2009

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