"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Desejo

Eu quero um poema
Distante de tudo:
Da mágoa passada,
Do encanto desnudo.

Eu quero um amor
Que venha no vento:
Alheio à tristeza
E ao meu pensamento.

Eu quero o teu nome
Em minha bandeira:
Vermelho de sangue
Da face guerreira.

Eu quero outro céu -
Azul não precisa;
Mas quero na face
O leve da brisa.

Eu quero o longínquo
Das tardes de infância:
O banho à espera
E a mãe à distância.

Eu quero de volta
A fé inaudita:
Sou velho asceta
Que ainda medita.

Eu quero o teu riso
Sorrindo ao meu lado:
Não pude sonhar
Estando acordado.

Eu quero a lembrança
De ter conhecido
Os passos de dança
De um anjo caído.

Não posso o que quero
Por mais que deseje:
Mas quero que um dia
Teu lábio me beije.

Araxá, em 2009.

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