"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Retrato de Jey Low

Divinamente bela, e sem o ser:
Não a beleza estática das flores
Que num painel orgânico e sem cores
Renascem velhas para o amanhecer.

Encantadora, mesmo sem querer
Que todos busquem em seu leito ardores.
Cruel, porém, por não poder dizer
Que um anjo vela por seus dissabores.

Fecha os olhos e quer se libertar
E correr e correr e imaginar
Um hospital onde não haja doentes;

Mas ah! Seus olhos já estão se abrindo
Para o dia de agora, um dia lindo
De onde nasce a mais pura das nascentes.

A variação de seus passos de dança (À Jey Low)

Se nós pudéssemos saber o quanto
Perdemos tempo a esperar somente
Que o riso venha e que não venha o pranto
E a rosa cresça sob um sol ardente

Não estaríamos vivendo tanto
A acreditar que a vida, simplesmente,
A nós possa trazer o acalanto
E eternizar o que nossa alma sente;

Se nós pudéssemos do amor medir
O muito pertencido a outrem amar,
As respostas viriam sem perguntas;

Pois nos olhos nos brota a cor do mar
E os lábios se acendem a sorrir
A imensidão de duas almas juntas.

Araxá, 20/01/09, às 23:38

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Cotidiano da noite

O paletó descansa amarrotado
E ao seu lado descansa meu chapéu.
Só a minha tristeza não descansa.

Estou faminto mesmo na abastança.

Na rua, um transeunte me interpela
E me pede cigarros e o isqueiro.
A madrugada fecha os bares cedo.

Meu coração é como uma capela.

Chego em casa e não sei por que aqui vim.
Os meus móveis são novos e eu sou velho.
Na geladeira, a carne já esquecida.

A Morte traz a ilusão do fim.

Espero o dia. A volta da alvorada
Traz a certeza das conquistas fúteis.
Vejo a noite expirar em tons dourados.

Meus sonhos todos são desesperados.

O pássaro está morto na gaiola.
Suas asas muito abertas já não podem
Sobrevoar o espaço da prisão.

A vida escorre, e esse escorrer é vão.

Faço as malas.O sol está chegando.
Morreram as sombras no teatro azul.
Espero a hora certa da viagem.

O meu destino é como um quadro nu.

Araxá, em 2009.

A um poeta morto

Vejo sinais de pranto nas estátuas...

O Escolhido

Se acaso estes versos desiguais
Se perdem na inconstância da razão,
É que os escreve a força da emoção
E os acentua em sangue - nada mais.

Guerra é preciso para que haja paz,
Amor potente, para a ilusão;
Para existir, saber que tudo é vão.
Para escrever é necessário mais.

Talvez, leitor, o brilho dessa verve
Pareça extasiar-te como o vinho
Guardado há muito tempo extasia.

Mas saiba que ao poeta que aqui serve
Só é preciso a dor de estar sozinho
Para que a lira mostre a melodia.

Araxá, em 2009.
Estou cansado, é verdade...
Quero ter sono e dormir
Para poder prosseguir
E nunca sentir saudade

Do sono brando que não tive
Quando podia descansar.
A vida é o drástico declive
Do Sonho arremessado no ar.

Tenho fé no que transcende
A minha Alma decepada.
Existi como um duende
À procura de uma fada.

Perdi o bilhete de passagem
Que possuía para a vida...
Não desisti, porém, da viagem:
Só me cansei desta guarida.

Existir é esperar a morte certa.
O homem que a espera enfim desperta
E vê que não viveu, pois esperava...

De tudo que fiz na vida
Dispendi muito trabalho.
Levei tudo de vencida
E esta batalha aguerrida
Tornou-me um homem falho.

As luzes que se apagam
Não mais se acenderão.
Vagam com elas despojos
Filhos da Escuridão.

Basta amar quem nos ama?
Não há amor entre feras.
O Amor sempre reclama
Duas mil primaveras.

Estou cansado, é verdade...
Quero ter sono e dormir
no alvo seio do devir.

O Futuro é a minha Divindade.

Araxá, em 2009.

O repouso da Alma

Quando o Outono anuncia a sua chegada
E a natureza pálida esmorece
E chora a última folha desfolhada
E o vento frio espalha a fria prece

A Vida tece a teia e a teia tece
Mais uma vítima a ser devorada,
E que apesar de insciente não padece
A sina de viver abandonada.

Nas torres das igrejas as corujas
Se escondem dessas alvoradas sujas
E o sino dobra aos mortos que estão bem;

Vejo-me preso numa teia enorme.
Enquanto o Outono chega, a Alma dorme
Embalada no seio do Além.

Araxá, em 2009.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Desejo

Eu quero um poema
Distante de tudo:
Da mágoa passada,
Do encanto desnudo.

Eu quero um amor
Que venha no vento:
Alheio à tristeza
E ao meu pensamento.

Eu quero o teu nome
Em minha bandeira:
Vermelho de sangue
Da face guerreira.

Eu quero outro céu -
Azul não precisa;
Mas quero na face
O leve da brisa.

Eu quero o longínquo
Das tardes de infância:
O banho à espera
E a mãe à distância.

Eu quero de volta
A fé inaudita:
Sou velho asceta
Que ainda medita.

Eu quero o teu riso
Sorrindo ao meu lado:
Não pude sonhar
Estando acordado.

Eu quero a lembrança
De ter conhecido
Os passos de dança
De um anjo caído.

Não posso o que quero
Por mais que deseje:
Mas quero que um dia
Teu lábio me beije.

Araxá, em 2009.

O futuro sonhado

Eu queria um soneto que dissesse
A forma com que vejo o teu semblante.
Mas não o posso escrever, e se o pudesse
Nele haveria lágrimas de amante.

Eu queria saber de qualquer prece
Que soasse em meu peito, consoante
Àquilo que me alegra e me entristece:
O meu amor, infenso mas brilhante.

Mas não há versos nem pode haver cantos
Que exprimam fielmente o teu sorriso
Ou saibam precisar o olhar seguro;

Porque eu ainda ignoro os teus encantos,
Mas posso imaginar o Paraíso
Recôndito nas asas do Futuro.

Araxá, em 2009