"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O corcel

Há em mim um corcel que nunca corre
Pelos prados distantes, muito verdes.
Talvez desdenhe de sua própria sorte:
Não possuir esperança nem prazeres.

Direis consigo: “A um animal tão belo
Os deuses deram a sorte da ignorância:
Não pode imaginar-se em desespero
E muito menos longe da esperança...”

No desperdício do marasmo inculto
Segue o corcel com passos de embaraços.
Sente as patas letárgicas e o abrupto
Equivocado som dos próprios cascos.

O bando o chama para caminhar
Por sobre os cumes e por sobre os morros,
Mas o corcel prefere aqui ficar
Na companhia dos fatais desgostos.

De vez em quando a brisa sopra ao longe,
Em meio aos capinzais,
E ele vê muitas linhas de horizonte
Que não virão jamais.

Ainda se viesse um aroma tal
Que se lhe atenuasse o olfato duro,
Sentiria esse aroma muito mal
Pois ao olfato ainda falta apuro.

Ainda se lhe houvesse um dia bom
Daqueles que não podem ser perdidos,
Veria o vulto e ouviria o som
Dos próprios pesadelos mal dormidos.

Agora está faminto e está sedento
Mas a fonte está suja e a relva ruim
Para um corcel sem muito movimento
Que começa a viagem pelo fim.

Não há, porém, quem lhe arrebate a sorte
De viver muito solto, muito livre,
De cavalgar sem medo até a morte
Que dos corcéis é qual como um declive.

Há em mim um corcel que nunca corre
Pelos sonhos de outrora, muito azuis,
Mas ainda caminha com o porte
Dos corcéis conduzidos pela Luz.

Araxá, em 2009.

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