"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Deus destas esferas


O sol se põe. A máscara noturna
Aparece magnífica e soturna.
Enquanto os olhos do áureo astro morrem, as estrelas
Traçam uma dança luzidia pelas
Curvas aéreas do horizonte.
Aves cansadas, de rapina,
Voltam aos ninhos, recebendo a aragem fina
Pelas asas compridas.
Corujas aboletam-se entre ermidas
Sonhando a solidão de outras vidas.
Enquanto os animais tendem ao sono
Seus instintos têm ânsias de abandono.
Adormecido o mundo, a lua ressuscita
Trazendo a luz que a noite necessita
Para inspirar insones mensageiros
Que carregam no seio os ímpetos primeiros.
A noite é bela para quem medita
E traz consigo a alma aflita.
A Humanidade dorme
Na solidão enorme.
Mas como em toda regra há exceções,
No seu próprio compasso os corações
Batem, e a forma com que batem é que governa
O reino físico da alma superna.
Em cada singularidade, em cada estouro,
O Ser recebe o seu maior tesouro:
Continuar vivendo, não obstante a morte
Ser a certeza que põe termo à sorte.
No alto do monte, as pedras são espelhos
Da lua, emaranhadas nos artelhos
Antigos de árvores e de heras.
As rochas contam muitas primaveras.
Desde o início dos tempos, quando o mundo
Nascera no Universo - esse abismo profundo -
Os corpos minerais viajavam como as aves,
Num desejo feroz de sobrevoar todas as naves.
Por acidente (ou, como queiram, por evolução)
Da pedra concebeu-se a plantação.
Que distância entre as pedras e a clorofila...
Sequer a biologia é capaz de medi-la!
A verdura é o oposto do minério,
Pena a ciência os não levar a sério...
Quando é mister alimentar a fome
Não há conhecimento que se some
A tal ânsia nervosa, a tal desprendimento,
Que o da terra seca alimentando-se do vento!
Parindo plantas e plantando paus
No matemático exemplo do caos,
Fora das espirais ou dos efeitos-borboleta
A Natureza é o deus deste planeta.
Perdizes, novembro de 2009

Um comentário:

Jey Cassidy disse...

"Que o da terra seca alimentam-se do vento!"
Definitivamente,a sua nova vertente crítica é magnífica!Eu li como quem consome as palavras e vai aos poucos as tornando vida dentro de si.A natureza é,pra mim, a própria luz,a magia,a beleza que move o universo,e,com certeza,ela é tb todos os deuses.
(Ainda bem que eu não inventei d tentar fazer um final e estragar um poema tão lindo!kkkkk)
=****