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Cansei-me de esperar, Musa querida,
Pelo afago sereno do teu gesto;
Nada percebo, nada sou na vida,
Só em verso medíocre manifesto
A minha égide, qual fosse Efesto
No pesadelo de forjar tal arma;
Sou um guerreiro, um guerreiro sem batalha,
Fui Dom Quixote, mas sem moinhos de vento;
A minha guerra é outra: é contra o pensamento,
Possuo no pescoço a mais fria navalha.
Musa fatal! Teus lábios, quem mos dera!...
Já não espero a chance de mordê-los,
Nem necessito de sentir-te minha!
Jamais! Jamais! A terra os meus cabelos
Já afaga! O frio, a campa, a noite fera
Está ao meu lado, sempre ao meu lado caminha!...
Daí, por pouco, me fizera louco,
Louco de pedra, doente dos doentes,
O meu desejo trago entre os dentes,
Minha loucura cresce, pouco a pouco,
Como se me viesse uma ânsia de degredo,
Como se a vida me tecesse a medo
Eu faço desta insânia a minha prece.
O que é eterno nunca esmorece.
Ó virgem das celestes alvoradas!
Vejo cabeças de crianças, decepadas,
Observo os sacrifícios mais abjetos!
De pesadelos os meus sonhos vão repletos,
Apenas sinto, com a cabeça muito calma,
A noite, a noite a extinguir minha alma!...
Como se navegasse ao léu, sem direção,
Aberto aos ventos vai meu coração.
Sem amor para amar, sem beijos pra sorver,
Só me resta o infortúnio de ver-me morrer!
Nada da vida vale a pena, nada é real,
Ó minha Musa, ó minha Musa divinal...
Dá-me o perfume que teu corpo encerra,
Aroma tal que não encontro nesta terra...
Onde estão minhas asas? Será que as cortei?!
A brisa está propícia ao vôo do poeta.
Mas prefiro o abismo... aonde reinei
Quando tive de ânsias a alma repleta...
Se ainda desejo a tua presença
É porque, idólatra, não me desfiz da crença.
O Nada que busco compele-me a amar,
O peso das asas me priva de voar.
Os tempos de vitória, aqueles tempos,
Na sucessividade dos momentos
Apagaram-se. Agora, em tempos de paz,
Sinto-me um vagabundo, mutilado e incapaz.
A metafísica! Pensar depois do túmulo!
A podridão revela-se em cada sinapse,
Poder, com a mente fraca, atingir o ápice!...
Mas quando penso, sofro o acúmulo
De não poder pensar, de reduzir-me a fumo,
De sofrer cada angústia, cada desespero,
Do interior do cérebro à raiz dos meus cabelos...
Como quem já morreu e ainda vive
Minha vida defunta se divide
Entre olhar o que foi, o que já não existe,
E o presente irreal, que me deixa mais triste.
Os tempos de colheita – eu que nunca semeio –
Cobrem de arrependimento o meu enleio;
Se nas covas profundas meu corpo estremece
É de nunca ter tido o calor de uma prece!...
Cansei-me de esperar, Musa querida,
Pelo afago sereno do teu gesto;
Mas se de nada valho, nada sou na vida,
Ainda tenho forças pra mostrar-te o quanto presto!
Perdizes, novembro de 2009