"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Soneto


A vida do Poeta é dura e triste:
Não encontra perfume nem nas flores;
O seu jardim é um jardim de dores
Onde a cor da esperança não existe.

Mas o Poeta, um dia, a caminhar
Pelo jardim onde só há tristeza,
Vislumbrou na distância o belo Altar
Purificado pela Natureza.

Caiu de joelhos. Pôs-se a orar atento.
No fatal estertor do sentimento
Sentiu as lágrimas na fronte enxuta;

Nas lembranças felizes fez-se imerso.
Riscou na terra o derradeiro verso
E seguiu novamente para a luta.
Perdizes, junho de 2009

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Soneto dela

Pele morena, tímido o olhar,
Sorriso meigo, baixa estatura,
Forma divina em humana criatura,
Vinda do céu para na terra amar.

Estrela incandescente que no mar
Caiu para tomar outra figura;
Ao firmamento um dia irás voltar,
Quando o Amor te conceber mais pura.

É impossível, eu sei, tomar-te conta,
Ao Criador pareceria afronta -
E eu não mereço Dele tal presente;

Mas, ah! Serei perdoado - e se o não for –
Terei a redenção do teu amor...
Enfim liberto num desejo ardente.

Perdizes, junho de 2009

Certeza simples

O rio segue tranqüilo
E deságua noutro rio
Que deságua num maior.

O sentimento se espalha
E se torna desvario
Quando misturado à dor...

A prece do penitente
É a medida do quanto
Se acredita apetecer.

A vida tece a armadilha
Como tecedeira o manto
Inefável do prazer...

O mar precisa do barco
Para em cores se espraiar
Na vastidão da baía.

Eu só preciso de ti.
Não sou rio nem sou mar:
Sou a prece que te guia.

Perdizes, junho de 2009

Soneto de ventura

Visita a minha campa quando eu for
Buscar num outro mundo a paz eterna;
E se lembrares que eu to tinha amor,
Entra comigo na fria caverna.

Sem mim foste infeliz – agora vais
Tão fatigada... como eu sempre estive.
O teu repouso não virá jamais,
E tu serás fantasma que ainda vive...

Mas por estes caminhos, de mãos dadas,
Como duas crianças devotadas
A um brinquedo alegre que faz bem,

Busquemos juntos da montanha o cume,
E Deus nos possa aspergir perfume
Na inumana expedição do Além.
Perdizes, junho de 2009