"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Andava devagar porque não tinha pressa,
e hoje leva o sorriso além do choro ou mágoa;
Nunca foi forte nem feliz - isso não lhe interessa...
não é tolo nem sábio,
não é fogo nem água.

Já conhece as manhas e as manhãs,
das massas o sabor não se compara ao das maçãs;
aprendeu a viver sem amor, e pulsar
depende apenas da mulher que lhe vier ao lar;
já foi homem de sorrir sem ter paz,
mas prefere ter paz a precisar sorrir.

Florir sem chuva sabe ser possível.
O que não sabe é o que ainda lhe não cabe.
Ainda anda devagar, porém com pressa
como se houvesse um temporal sobre sua cabeça.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cultua o idioma, não o temas.
Ele é o murmúrio com que enfloras
teu discurso de amor, que em certas horas
se podem transformar em belos poemas.
A escrita com arte é um ofício
difícil, ríspido, ingrato.
É como caminhar no asfalto quente
calçado confortavelmente
com uma pedra no sapato.

domingo, 30 de outubro de 2011

Ver todo um Mundo num grão
E um Céu em ramo que enflora
É ter o Infinito na palma da mão
E a Eternidade numa hora.
(W. Blake)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Metamorfose Ambulante

A katlin Alves


Não prefiro ser nem o que sou
Nem Metamorfose.
Tu também,
Se fome tiveres de Além,
Alçarás vôo.
Enquanto que eu
Como um homem que nunca bebeu
Estou.
E já que sou
Meu próprio pai, quem sabe avô
Partilharei contigo
Em gesto sóbrio de amigo
Metamorfo, metonímio,
Minha primeira dose.
Talvez a lenda
Da lagarta tornando borboleta
Ou vice-versa
Seja verdade.
Se somos hoje, ontem fomos.
Mas não propomos ser quem somos.
Daí a fatalidade
Da Metamorfose nunca vir a tornar-se
Realidade.


Araxá, junho de 2011

terça-feira, 26 de abril de 2011

EU

O amor já não canto em costura de versos.
Agora me arremesso
Ao revés dos que buscam ser felizes.
Cortei minhas raízes
E delas fiz asas maiores que o céu.

Tenho muito, e o que tenho sou eu
Batendo com as mãos nuas na rocha inculta.
Não te aconselho
Se a meio
Vieres participar dessa luta.

O sono fez-me par de teu silêncio.
As janelas fechadas traduzem meu quarto:
Nada mais sou que um abstêmio
A quem tomaram o último trago.

Se me condenso a chuva tarda.
Restam alguns respingos, mas amarga
A brisa cresce do que fora água.

Mas não repara:
As almas delirantes repousam
E depois do descanso ainda ousam.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

TOM PESSOAL

Não escrevo o que sinto:
Escrevo labirinto
De onde sei a saída.

Nestas salas de vidro
Eu paro, eu olho, eu sinto
O que foi minha vida.

São paisagens-memória
Mortas, rememoradas
Qual nos livros de história

As mentiras contadas
São irmãs do real.

O papel me confessa:
Dele a letra impressa
É meu tom pessoal.

terça-feira, 1 de março de 2011

O amor é um comércio, é um negócio:
Trocam-se beijos por moedas de ouro,
Como se o amante fosse um mero sócio
De quem aos poucos se rouba o tesouro.