terça-feira, 13 de abril de 2010
DIVAGAÇÕES DA CERTEZA
Mesmo se aqui a não tiver, por entre os ramos
Deste jardim perfeito,
Hei de lembrar-me o quanto nos amamos
No calor do seu leito;
Mesmo que a sombra faça escuro o que era claro
E emudeça o sonoro,
Hei de deixar no lábio o mínimo de amparo
Daquela a quem adoro;
Mesmo que o céu expulse as estrelas brilhantes
E deserto se faça,
A lua surgirá p’ra todos os amantes
Quando Amor os enlaça;
Mesmo que os braços já não possam abraçar
A criança querida,
E ensiná-la os primeiros esforços de amar
A sua própria vida;
Mesmo que tudo desmereça a ação piedosa
De acolher um mendigo,
E depois disso tudo ofertar-lhe uma rosa
E chamá-lo de amigo;
Mesmo que a mãe rejeite o filho e o deixe ao léu,
A vagar sonolento,
As nuvens se abrirão e ele verá o céu
Abrir-se ao vão do vento;
Mesmo que a Morte venha, e eu sei que ela virá
Para elevar meu canto,
Eu levarei de mim a hora boa e a má,
Áurea coroa e manto;
Mesmo que o poema seque e na aridez pereça,
Voltando ao que era dantes,
Vai ficar no papel uma nódoa espessa
E depois há de vir quem reconheça
Verdes vestígios, diamantes.
Araxá, em 2010.
UM TOQUE
Gostaria de saber
Por que me negaste um toque.
Seria apenas esmola,
Esmola para quem sofre.
Fosse preciso carícia
Ou até mesmo ternura,
Não to pediria assim
Desesperado de chuva.
Um toque muito suave,
Dos teus dedos sem retoque,
Um toque teimoso de ave --
Não afago, apenas toque.
Entretanto mo negaste:
Coisa simples, sem valor.
Um simples toque na face
De quem sofria de amor.
Araxá, em 2010
TEMPO DE GUERRA
Sentado à beira da praia, sentindo o vento,
Vejo uma embarcação cheia de mulheres:
As viúvas dos que estiveram na guerra.
Medonha, perdida, sangrenta.
Vêm acompanhadas.
Acompanhadas por soldados inimigos.
Vejo uma embarcação cheia de mulheres:
As viúvas dos que estiveram na guerra.
Medonha, perdida, sangrenta.
Vêm acompanhadas.
Acompanhadas por soldados inimigos.
SÍNTESE
O AMANTE EM SEGREDO
Sinto a ironia bafejar meu rosto
Quando me olham, bordados de festejos;
Comentam entre si o extremo gosto
Com que da solidão eu sorvo os beijos.
E eu passo, fomentando comentários,
Por entre a turba dos gracejadores;
Mal sabem a pequenez dos seus salários
Frente à dissipação de meus amores...
Quem muito ouro possui, sempre o esconde –
Sem que ninguém suspeite dele, aonde
Menos se possa, cobiçando, olhar;
Da mesma forma, príncipes, procedo:
Enquanto vós falais, amo em segredo,
Pois só em segredo é que se pode amar.
DISTÂNCIA
DA ESCRITA IMPENITENTE
A ÓRBITA DO DESENCANTO
Ninguém contempla o céu como eu o contemplo.
Meus olhos são azuis de contemplá-lo.
Acordo, e lá está – o único templo
Acima de qualquer terrestre abalo.
Se está alegre, encontra-se aberto,
Fechado fica se contrariado;
Se a noite o deixa de clarões deserto
À lua o brilho pede-lha emprestado.
Mas quando chega a tempestade e o raio
O céu desaba em súbito desmaio,
E enche de púrpura o divino manto.
Ninguém contempla o céu como eu o faço,
Com a certeza de que há muito espaço
Fora da órbita do Desencanto.
Araxá, em 2010
A ESCRITA DOS DEFUNTOS
A minha inspiração é tão pequena
Que resulta na imagem pouco clara.
De nada importa... a poesia encena
O drama com que nada se compara.
É difícil, entretanto, coordená-la
Ou conduzi-la no estertor da pena.
O perfume, porém, que dela exala
Deixa inveja na rosa e na açucena.
Já me disseram que cantar com métrica
Deixa no poema uma paisagem tétrica,
Como se fosse escrito por defuntos;
Mas é assim que canto e sei cantar:
À sombra do passado tumular
Eu amortalho todos os assuntos.
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