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Meu Deus, se não tivesses
Ouvido tantas preces
E a todas ignorado,
Eu saberia o quanto
É aconchegante o manto
Que tu me tens negado.
Senhor dos que têm medo,
Qual é o teu segredo,
Qual é tua memória?!
Fizeste-me avesso
À ternura, ao apreço
E à minha própria história...
Abençoados aqueles
De sentimentos reles
Que vivem como gado;
A tua mão os alcança,
E vivem na abastança
Num altar consagrado.
Minha estirpe é mais rara:
Dela homem algum lograra
Encontrar-te, Senhor;
Mesmo assim te buscamos -
No mar, no céu, nos ramos –
Até mesmo no amor...
O seio em que mamei
Era digno de um rei.
Meu leito enternecia...
Na montanha o castelo
Era a imagem do Belo
Esplendor que havia.
Fui crescendo, Meu Pai,
Como o tigre que sai
À procura da presa;
Saciei minha sede
No calor de uma rede
Onde mora a Beleza...
Quanto mais eu crescia
A pretensa harmonia
Que me embalava ao colo,
Foi-se evanescendo
Qual o baque tremendo
De um gigante no solo.
A família dos astros
Apagava-me os rastros
Quando a noite chegava;
Eu subia ao vulcão
E pegava na mão
Um resquício de lava...
O calor era tal
Que o meu corpo mortal
Protestava em escaras;
Aquecido de idéias
(mesmo as outras, tão velhas)
Tinha ânsias avaras.
Não pudera, outrossim,
Compreender o fim
De um dia estar morto.
O defunto que sou
Quer alçar outro vôo,
Quer viver outro aborto...
Senhor dos desgraçados,
Criador dos maus fados,
Meu tirano falaz:
O tempo que me negas
Eu o gasto em refregas
Inimigas da Paz...
Como um mendigo atroz
Eu profiro sem voz
As mais altas blasfêmias;
Libertino das ânsias,
Ainda sinto as fragrâncias,
E o calor de tuas fêmeas.
Semelhante ao teu Filho
(aquele outro andarilho)
Eu padeço sozinho;
Só não tenho uma cruz
Ou uma auréola de luz
Que me acenda o caminho.
Também li o Evangelho –
Mas agora estou velho –
Para mundos melhores;
Conheci que o meu Deus
É o deus dos ateus
E de todas as dores.
Outros deuses também
Me vieram do Além,
Mas estavam doentes;
Tinham perdido a guerra
Exilados na terra
De onde brotam serpentes.
Até mesmo um poeta
Com a fronte insurreta
E as vestes surradas,
Estendeu-me uma taça
Em que a fria desgraça
Explodia em golfadas.
Reneguei a bebida
Como renego a vida
E esse eterno esperar;
Senhor que me consome,
Eu não quero o teu nome.
Quero a vista do mar.
Sou apenas mendigo
À procura do abrigo
Que tu me possas dar;
Já cobraste o aluguel
Do teu servo fiel?
Nada tenho a pagar...
Sou apenas um triste.
Minha tristeza existe
E de mim toma conta;
Jeová dos judeus,
Os meus versos são teus
Como minha é tua afronta...
Perco a respiração
Ao saber que é em vão
Minha prece de louco;
Nem conquanto me tenha
Essa prece roufenha
Que diz nada ou tão pouco.
Só desejo a sorte
De deitar-me com a Morte
E cobri-la de espanto...
Senhor a quem profano:
Sou apenas humano.
Ouve, ouve o meu canto.
Perdizes, julho de 2009
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