"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.” (Bernardo Soares)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Abrigo

Flores sem hastes
No céu imenso
Dão-lhe contrastes
E movimento.

Feridas secas
Querem sangrar,
Cobrir com sangue
A terra e o mar.

Os teus desejos -
Senhores ávidos –
São todos ácidos
Essência cáusticos.

A lua agora
Do céu descer
Deseja muito
Acontecer.

Não lhe pediram:
A colocaram
À revelia
Na noite de astros.

O sol é escravo.
Também quisera
Sair do fulcro
Em noite eterna.

Não tens beleza,
Donzela inútil,
Nem interessa
Teu róseo sulco.

Do verme, sim,
Serás repasto.
Nunca se escapa
Desse carrasco.

Quando te fores
Verás o quanto
A natureza
Ignora o pranto.

Então não chores
Dentro da terra.
Tudo que morre
Também desperta.

O despertar
Num outro lado
É como dádiva
A outro carrasco.

Aqui não podes
Seguir teu trilho,
Não há quem roube
A um andarilho

Que nada tem
Mas pensa tê-lo
Anéis hialinos
Entre os cabelos.

Teu ser comigo
Será eterno.
Aqui o abrigo,
Aqui o Inferno.